Acordei hoje com um samba na
mente. Levantei da cama cantando o samba cheia de energia. Diria que
passei a noite inteira sonhando com a alegria do carnaval. Há pessoas
que dizem que o carnaval, assim como futebol, são formas de fazer o povo
esquecer as coisas, são uma espécie de droga que tira o foco dos
problemas. As pessoas seguiriam brincando o carnaval e se esqueceriam
das mazelas de seu cotidiano... Os que dizem isso, ainda não conseguiram
entender do que é feita nossa humanidade. Há algum tempo atrás eu mesma
via o carnaval com uma certa desconfiança. Movida por preconceitos que
não eram meus, tinha a mesma visão de algumas pessoas. A visão colonial e
restritiva que nos foi imposta e que abafou a boniteza de nossa
singularidade. Somos seres humanos singulares. Temos dentro de nós uma
infinidade de sentimentos incríveis esperando a oportunidade de virem a
tona, trazendo-nos sensações maravilhosas de alegria, prazer, felicidade
e amor, mas... Nos separamos dessas sensações para sermos pessoas
sérias, comportadas, corretas, perfeitas, seguindo o padrão
civilizatório que nos foi ensinado. E o que isso tem feito por nós? O
mito de que o carnaval é uma festa que cega as multidões para as
questões sociais faz parte do imaginário de muitos militantes que ainda
não descobriram que vestem máscaras o ano todo. É verdade! As máscaras
padronizadas por papéis sociais tidos como certos que nós militantes
vestimos são a prova cabal de que ao lutar por uma sociedade diferente
estamos reafirmando o passado, estamos confirmando o mesmo padrão de
sociedade que queremos mudar. Será que me fiz entender? Os padrões
civilizatórios fizeram das suas em nossa mente... É um vício
constante... A Matrix perfeita. Você já viu esses filmes? Sou o que o
sistema me deixa ser... E por mais que isso me tolha, me limite, me
silencie, me frustre e me trancafie num personagem que não sou, eu
continuo vivendo o personagem e colocando a máscara todos os dias. E o
que isso tem haver com o carnaval? Ao contrário do que muitos acham é
nele que nos permitimos brincar, nos expressar, nos alegrar, sentir as
emoções e sensações verdadeiras que vem diretamente de dentro de nossa
alma. É no carnaval que somos nós mesmos, com todas as qualidades que
nos tornam interessantes e singulares. Somos o que somos nesses dias,
sem máscaras nem defesas. Somos, simplesmente... Nos outros dias do ano, a
busca da felicidade se torna um tormento sem par. Fazemos de tudo para
alcança-la sem que cheguemos um centímetro sequer perto dela. Procuramos
nas coisas externas, o que não deixamos extravasar de nosso ser
interno. O mais bonito de nossa humanidade é exatamente a diversidade de
sentimentos maravilhosos que temos dentro de nós esperando a
oportunidade de virem a tona, com todas as suas nuances e sutilezas,
deslizando pelo nosso corpo, se mostrando. E isso é o Carnaval! Não foi a
toa que a Igreja e todos os sistemas políticos sempre se utilizaram de
mecanismos para controlar os corpos, principalmente das mulheres,
símbolo das sombras. Aí estava sua base de controle político, seu
sistema de opressão. Nisso vemos a diferença nas tradições religiosas
africanas... Os corpos se mexendo, dançando, pulando, são experiências
divinas... Sexo, é divino! É o que nos aproxima dos deuses e orixás! É
por isso que não posso concordar com companheiros que afirmam que o
carnaval é o ópio do povo... Se enganam! Cada vez mais me convenço! A
maior luta que temos que fazer é a luta para nos afastar da mesmice, a
batalha de nos permitirmos ser nós mesmos, sem sujeições, sem máscaras,
hipocrisias e ilusões. O Carnaval é do povo! E através dele o povo se
instrumentaliza para a luta maior de todos os dias, a luta de deixar
fluir seu jeito de ser diferente, alegre, generoso, criativo, potente e
livre. Viva o Carnaval com sua forma sutil de provocar revoluções! E
vamos brincar... que o dia está lindo!
Adorei querida Lígia, sua reflexão. Concordo com absolutamente tudo, e sabe a estória do persa agem diário? Que finge ser o que nao é para sobreviver nessa selva? Pois então é esse papel que tenho me recusado a ser...e tenho sido bombardeada e "mirada"como um ET....outra falamos disso, vou tentar tirar despertar Claudia Alonso e sairmos para brincar no Boi Tatá....beijo , pra mim também foi um prazer conhecê-la. Jú
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