quinta-feira, 15 de março de 2012

A DESCOLONIZAÇÃO DAS EMOÇÕES

No último dia 8, assisti várias manifestações sobre o dia da mulher, compartilhei algumas postagens no facebook, participei de algumas conversas, recebi alguns cumprimentos de homens e mulheres e assisti o pronunciamento da Presidenta Dilma Roussef com as congratulações sobre o dia, ilustrando os avanços da última década para nós, mulheres, nas políticas de Governo. Achei tudo muito interessante e oportuno. Realmente tivemos muitas conquistas. É preciso lembrar que fazem somente 80 anos que tivemos direito de votar e sermos votadas aqui no Brasil e que depois disso muito pouco havia sido feito no âmbito das políticas públicas destinadas às mulheres. Foi o Governo Lula e agora o Governo Dilma que abriu brechas e canais para que mudanças acontecessem na sociedade para o coletivo de mulheres. É preciso também ter olhos para ver a expansão da capacidade da mulher nos últimos tempos através da educação escolar e formal. Mais mulheres que homens terminam o segundo grau e vão para as universidades. Um fenômeno estatístico. Mas o que dizer da subjetividade feminina? Das relações entre si e com os outros? Há algo que ainda paira sobre o universo da grande maioria e que é urgente desconstruirmos: a cultura colonial que forjou principalmente as nossas emoções, nossos sentimentos e nossa identidade no mundo social. Durante muitos anos a mulher foi educada para casar, ser esposa e mãe, ser frágil e obediente e fazer tudo pelo seu marido e filhos. Não podia estudar muito! Tinha que ser escrava do lar! O lar seria seu castelo onde o príncipe, seu marido, a deixaria comandar, desde que ela pudesse satisfazê-lo em suas necessidades físicas, sociais e sexuais. Nosso sistema de crenças sobre a vida foi tão afetado por essa visão de mundo que muitas mulheres do tempo de minha mãe não conseguiram se livrar de casamentos frustrantes e infelizes, pois acreditavam que era importante ficarem juntos até o final da vida. Ruim com ele, pior sem ele... Se acostumaram com a dor e o sofrimento e fizeram dele seu processo de vida. Aceitar as coisas como elas são, abdicar de sonhos, fazer o que não gostavam era o roteiro itinerante de toda mulher tida como "virtuosa". Minha geração fez várias mudanças nessa cultura, mas, mesmo com as mudanças feitas, persistem as crenças. Tenho consciência de que alguns clássicos que li na infância ajudaram muito nisso... A perpetuação de um modelo colonial, de controle dos corpos, manipulação dos sentidos e da realidade da vida. Queriam controlar os sentimentos das mulheres. Quem não se lembra dos contos de fadas? O que era aquilo, gente? Acho a fantasia uma coisa muito importante para as crianças, pois, através da fantasia é que aprendemos a representar o mundo e a ter condições de criar e antecipar as coisas. Loucura, não? Quando sonhamos somos capazes de nos transportar para qualquer lugar e realizar qualquer coisa. Assim, sei que muitos livros que li na minha infância colaboram para que eu tivesse a capacidade de criar, renovar e transformar, mas também, muitos outros estruturaram crenças em minha mente que me limitaram em minhas potencialidades de mulher e no meu senso de liberdade, provocando ilusões, mas, como sempre fui uma pessoa ávida por conhecer e estudar, aprendi a fazer dos meus anseios e limitações uma ferramenta para a busca de conhecimentos e experiências que me possibilitassem compreender a realidade e me lançar no mundo. Ainda não sou totalmente madura emocionalmente, mas, quem o é? Conheço muitas mulheres e também homens mal resolvidos emocionalmente, todos iludidos pela mesma cultura colonial. Homens podem tudo e mulheres não! Homens precisam de muitas mulheres para se sentirem homens! A mulher só pode ter um para ser feliz, se tiver outros é prostituta! Homens tem que ser garanhões sexuais e não são capazes de ter sentimentos! As mulheres tem sentimentos e não podem ser racionais! Tem mulheres para casar e mulheres para transar! Tem homens libertinos e homens sérios! Vários estereótipos criados pela cultura que nos fizeram permanecer crianças emocionais, dependentes, incapazes de fazer escolhas com liberdade. Muitos acham que são livres, mas, não conseguem viver essa liberdade em si e são dominados sem que se dêem conta disso. São escravos de medos imaginários, exigências e expectativas que projetam sobre si e sobre os outros. O sistema gera adultos infantilóides incapazes de viver a vida com alegria, emoção e plenitude... E assim, as coisas continuam como dantes no quartel de Abrantes... conhecem essa apologia? Mulheres e homens continuam deixando sua subjetividade nas mãos do sistema. Vivem uma dualidade insuportável, que oprime e subjuga em chavões estruturantes. Culpam-se uns aos outros pelo que são e jogam no outro a responsabilidade pelo que sentem. Inventam justificativas para não se darem, não se compreeenderem, não conviverem. Tem medo das diferenças. Tem medo de se dar. Não conseguem viver relações plenas. No terreno das emoções, do sentimento e da afetividade muito há por ser feito para que nós, mulheres e homens nos libertemos. Temos que acordar!  As lutas não podem ser somente coletivas, elas começam em nós.
A ternura, o amor, a coragem, a criatividade, a amizade, o companheirismo, o aconhego, a beleza, a serenidade, o respeito e a liberdade estão pedindo passagem... Que possamos aprender a descolonizar nossas emoções e que a vida seja mais plena e menos opressora para todos nós...

3 comentários:

  1. Ligia, como me vejo em várias de suas falas. Realmente muitas coisas evoluíram, mas muitas ainda precisam se organizar para que realmente tenhamos o resultado esperado resultante deste dia tão marcante em nossas vidas, e que perpetua até hoje. Brilhante. Beijos da Luciana Soares

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  2. Lindo texto, Ligia... realmente, por mais que tenhamos vencido algumas etapas, ainda temos mto por vencer... alias, nao sei se mto ou pco, pq as amarras da sociedade so servem pra esconder os medos, daquilo que mtas vezes temos vontade de experimentar! Parabens! Monique Sá.

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  3. EU AMO ESSA PESSOINHA MARAVILHOSA!!! Nilza

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